Comentários na internet são "descarrego de ódio", dizem psicólogos


Se você busca debates sadios, opiniões ponderadas e críticas construtivas, não entre nos comentários de notícias e posts na internet. Os itens acima são coisa rara no meio do mais puro "ódio.com".



"É um canal de escape emocional 24 horas no ar. Se a emoção é forte, eu descarrego um caminhão de sentimentos nos comentários", afirma Andréa Jotta, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Psicologia em Informática da PUC-SP. "O problema é que a internet deixa aquilo eterno. Você pode mudar de opinião, mas aquilo fica registrado e pode te prejudicar no futuro", completa.

Dez anos atrás se popularizou o conceito de "Web 2.0", e os sites noticiosos abriram espaço para os internautas opinarem sobre as reportagens. A ideia original era tornar os portais de notícia "uma rua de mão dupla". Na prática, o espaço virou um congestionamento de palavrões, ameaças e preconceitos.

"A tecnologia da internet fez explodir a demanda social da catarse. As opiniões são sempre radicais, explosivas", opina o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg. "A lógica binária da internet estimula a visão maniqueísta do mundo: ou você é contra ou a favor. A sutileza não é o traço essencial da internet", argumenta.

A interatividade acabou gerando duas crias indesejadas: os "trolls" e os "haters". O primeiro é um polemista que se diverte com a repercussão de suas "trolladas", gíria para opiniões descabidas e zombeteiras só publicadas para gerar revolta nos outros internautas.

Já os "haters" são acusadores que distribuem sua fúria contra times, partidos, religiões, raças, gêneros, opções sexuais, gostos musicais e o que tiver em pauta.

"O internauta gostaria de falar tudo aquilo para o chefe ou para a mulher ou para o vizinho. Mas isso implicaria em reações que ele não suportaria. O botão de comentário é um remédio que dá alívio imediato. Você pode se alterar, desligar o computador e voltar para sua vida. Claro, sem resolver seu problema pessoal", explica a psicanalista Sônia Pires.
Os comentaristas típicos

Em sites de notícias, menos de 1% dos leitores comentam. Essa estatística, somada à baixa qualidade dos comentários, fizeram sites como o da agência de notícias Reuters e do portal econômico Bloomberg Business decidissem eliminar suas áreas de comentários.

Num primeiro momento, tanta intolerância nos comentários obrigou os portais a criar a função de "moderador de comentários", profissional que separava as opiniões publicáveis das impublicáveis. Afinal, modos e moderação são o que menos se encontra nessas opiniões.

Por outro lado, vários grupos políticos e econômicos adotaram a estratégia de arregimentar pessoas (pagas ou voluntárias) para multiplicar opiniões favoráveis a seus interesses e contrárias a de seus adversários. Além disso, surgiram softwares ("robôs", no jargão digital) para multiplicar ainda mais a interatividade a favor dos manipuladores.

Nos vídeos desta reportagem, aparecem vários "tipos psicológicos" que são figurinhas fáceis na área de comentários. Um deles é o adepto da "teoria da conspiração", sempre vendo complôs e planos secretos por trás dos fatos descritos nas notícias.

Outro perfil constante é leitor "hipercrítico" que reclama do jornalista, do portal, da reportagem, dos entrevistados e dos outros comentários, se lamenta do "tempo perdido" e promete "encerrar sua assinatura" do serviço.

Um estilo muito comum é o "justiceiro", distribuindo ameaças em seus posts e advogando mais repressão para combater a criminalidade. Eles se multiplicam em reportagens policiais ou quando há alguma mudança nas leis sendo analisada pelo Congresso Nacional.

Não faltam também os comentaristas portadores do chamado "complexo de vira-lata", termo criado pelo escritor Nelson Rodrigues para mostrar o sentimento de inferioridade dos brasileiros em relação às outras nações. Muitas opiniões postadas execram o povo e o país para elogiar países mais desenvolvidos, principalmente os EUA.

As paixões clubísticas, partidárias e religiosas também invadem os comentários, com provocações, xingamentos, boatos e difamações. Ultimamente, a crise econômica e política faz o PT ser o alvo preferido. Mas evangélicos, umbandistas, tucanos, peemedebistas, corintianos e flamenguistas costumam ser frequentadores desse posto.

O problema principal é que o debate fora da internet segue também essas regras. As discussões logo descambam para a ofensa pessoal, o descrédito do interlocutor e o rebaixamento do conteúdo. Hoje em dia, há mais polemistas que debatedores, e dar opinião virou parte da indústria do entretenimento.

FONTE: Uol / Tecnologia

2 comentários:

william haddad disse...

SEM CONTAR A COVARDIA DE SE ESCONDEREM ATRÁS DE UM SISTEMA PARA OFENDEREM AS PESSOAS. mas pessoalmente de mijam de medo até de encararem os mesmos

José Carlos disse...

Para mim, que já escrevo regularmente em um site e dois blogs, a parte mais interessante desse texto é a que fala exatamente da total ignorância dessas pessoas quanto a "eternidade" do que se posta, elas sequer imaginam que além do registro propriamente dito, há a constante renovação de tecnologias, que aceleram a busca dessas informações.
Pra entender, imagine alguém com 30 anos, numa entrevista de emprego, onde o entrevistador seja negro, e instantaneamente acessa algo postado há dez anos por essa pessoa de cunho racista, lá se vai a oportunidade de emprego.
Penso que já foi pior, ou então acabei por selecionar melhor os sites que visito.
Ninguém é perfeito, e nunca vai estar de bom humor o tempo inteiro, e talvez seja até "natural" que as vezes se descarregue algo num comentário mais jocoso, sarcástico e até maldoso, porém, sem deixar de lado o velho ditado; "Escreveu não leu...O pau comeu."